quarta-feira, 31 de outubro de 2007

MEMÓRIAS DE RISHIKESH – O ENCONTRO COM A MULHER SANTA 2

OM namah shivaya, om namah shivaya, om namah shivaya. Eu me curvo (namah) diante de Shiva, o "Senhor da Destruição da Ignorância", equivocadamente confundido com o "Senhor da Destruição", simplesmente. O que parece apenas um detalhe é um erro grosseiro e, desculpem-me por ser ou parecer grosseiro falando assim.

O "cosmo" bramânico, inclui três aspectos divinos totalmente distintos. Brahmá representa a força da origem das coisas, Vishnu representa a descoberta de que "eu" não sou uma coisa, mas a consciência das coisas, e Shiva representa o meu reconhecimento de ser ilimitado, de não estar sujeito ao nascimento nem à morte. Assim, seria absurdo admitir um "Senhor da Destruição" num universo no qual nada se destrói.

Shiva é, na verdade, aquele poder que liberta a mente das simples aparências, conferindo-lhe a capacidade de ver com clareza a realidade complexa e maravilhosa na qual o indivíduo se insere. A realidade da plenitude, a realidade da consciência, a realidade do eu . Leva tempo para que estas palavras não permaneçam rótulos em recipientes vazios. Mas, vai lá uma pista: se você pode estar feliz agora, ponto para a realidade. Se falta só um pouquinho para ser feliz, Om namah Shivaya para você. Encha o seu recipiente com estudo, esforço e sabedoria e você alcançará a felicidade.

Entre reflexões e pensamentos estava eu, lá, sentadinho na beira do Ganges, no ashram do Swami Dayananda, percorrendo os dedos pelo "malá", um colar de 108 continhas, repetindo meu mantra, om namah Shivaya, quando de repente o fio se rompeu fazendo os rudrakshas (nome das continhas), rolarem por tudo quanto é lado. Catei continhas. Como catei continhas, mas ao final só consegui recuperar 106. Contei e recontei. 104, 105, 106. Faltavam duas.
- Estão faltando? Perguntou-me com voz delicada a mulher santa, que havia se aproximado sem que eu notasse.
- Duas, respondi como a uma tia querida.
- Eu lhe consigo as que faltam, ela concluiu afastando-se. Não nos vimos mais naquele dia.
À entrada do café da manhã fazíamos uma fila para sermos servidos. Monges, noviços, alunos, convidados. Mais uma vez, para minha surpresa, lá estava Manishanada, a mulher santa de Rishikesh, atrás de mim. Cedi-lhe a vez. Ela recusou com gentileza e pediu-me para encontrá-la na secretaria após o desjejum.
Mal entrei na secretaria e Manishanada estendeu-me a mão com um pequeno envelope de papel pardo e pediu-me para abri-lo. Lá estavam três rudrakshas, pelo que lhe agradeci imensamente e, num gesto espontâneo, fiz menção de devolver-lhe uma.
- Só faltam duas!
- Não, faltam três. Brahmá, Vishnu e Shiva! Ela deu uma risada.
Agradeci-lhe novamente, juntando as mãos à altura da testa.
- São suas, maharaja! Ela continuou.
Nunca alguém havia me chamado por "maharaja". Muito menos uma mulher santa da cidade d eRishikesh. Este é um título reservado a nobres e sábios e, por um momento achei que ela estivesse falando com outra pessoa. Olhei à minha volta. Não havia mais ninguém. Ousei:
- Maharaja?
- Não estou falando comigo mesma, ela disse sorrindo. Você, maharaja, Valmiki (era como me conheciam no ashram), maharaja. Vlamiki Maharaja.
Este assunto ainda me daria muito o que pensar. Ao menos quanto a Brahmá, Vishnu e Shiva, ela tinha razão. Quando fui remontar meu malá, só havia 105 continhas. As três que ela me deu, conservo até hoje. Om namah Shivaya!
(Continua!)

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