quinta-feira, 15 de novembro de 2007

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

MEMÓRIAS DE RISHIKESH – O ENCONTRO COM A MULHER SANTA 2

OM namah shivaya, om namah shivaya, om namah shivaya. Eu me curvo (namah) diante de Shiva, o "Senhor da Destruição da Ignorância", equivocadamente confundido com o "Senhor da Destruição", simplesmente. O que parece apenas um detalhe é um erro grosseiro e, desculpem-me por ser ou parecer grosseiro falando assim.

O "cosmo" bramânico, inclui três aspectos divinos totalmente distintos. Brahmá representa a força da origem das coisas, Vishnu representa a descoberta de que "eu" não sou uma coisa, mas a consciência das coisas, e Shiva representa o meu reconhecimento de ser ilimitado, de não estar sujeito ao nascimento nem à morte. Assim, seria absurdo admitir um "Senhor da Destruição" num universo no qual nada se destrói.

Shiva é, na verdade, aquele poder que liberta a mente das simples aparências, conferindo-lhe a capacidade de ver com clareza a realidade complexa e maravilhosa na qual o indivíduo se insere. A realidade da plenitude, a realidade da consciência, a realidade do eu . Leva tempo para que estas palavras não permaneçam rótulos em recipientes vazios. Mas, vai lá uma pista: se você pode estar feliz agora, ponto para a realidade. Se falta só um pouquinho para ser feliz, Om namah Shivaya para você. Encha o seu recipiente com estudo, esforço e sabedoria e você alcançará a felicidade.

Entre reflexões e pensamentos estava eu, lá, sentadinho na beira do Ganges, no ashram do Swami Dayananda, percorrendo os dedos pelo "malá", um colar de 108 continhas, repetindo meu mantra, om namah Shivaya, quando de repente o fio se rompeu fazendo os rudrakshas (nome das continhas), rolarem por tudo quanto é lado. Catei continhas. Como catei continhas, mas ao final só consegui recuperar 106. Contei e recontei. 104, 105, 106. Faltavam duas.
- Estão faltando? Perguntou-me com voz delicada a mulher santa, que havia se aproximado sem que eu notasse.
- Duas, respondi como a uma tia querida.
- Eu lhe consigo as que faltam, ela concluiu afastando-se. Não nos vimos mais naquele dia.
À entrada do café da manhã fazíamos uma fila para sermos servidos. Monges, noviços, alunos, convidados. Mais uma vez, para minha surpresa, lá estava Manishanada, a mulher santa de Rishikesh, atrás de mim. Cedi-lhe a vez. Ela recusou com gentileza e pediu-me para encontrá-la na secretaria após o desjejum.
Mal entrei na secretaria e Manishanada estendeu-me a mão com um pequeno envelope de papel pardo e pediu-me para abri-lo. Lá estavam três rudrakshas, pelo que lhe agradeci imensamente e, num gesto espontâneo, fiz menção de devolver-lhe uma.
- Só faltam duas!
- Não, faltam três. Brahmá, Vishnu e Shiva! Ela deu uma risada.
Agradeci-lhe novamente, juntando as mãos à altura da testa.
- São suas, maharaja! Ela continuou.
Nunca alguém havia me chamado por "maharaja". Muito menos uma mulher santa da cidade d eRishikesh. Este é um título reservado a nobres e sábios e, por um momento achei que ela estivesse falando com outra pessoa. Olhei à minha volta. Não havia mais ninguém. Ousei:
- Maharaja?
- Não estou falando comigo mesma, ela disse sorrindo. Você, maharaja, Valmiki (era como me conheciam no ashram), maharaja. Vlamiki Maharaja.
Este assunto ainda me daria muito o que pensar. Ao menos quanto a Brahmá, Vishnu e Shiva, ela tinha razão. Quando fui remontar meu malá, só havia 105 continhas. As três que ela me deu, conservo até hoje. Om namah Shivaya!
(Continua!)

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

ANANDA GURU

SWAMI Chinmayananda, mestre de advaita vedanta, uma espécie de avô espiritual. Minha saudação no dia de hoje!

"Gururbrahmá gururvishnu

gururdevomaheshvara,

Gurureva parambrahma

tasmai shrigurave namah"

Mestre! O que dá sentido à existência, que ensina a vencer a dor e a morte, que revela grandeza infinita! Você é Brahmá, é Vishnu, é Shiva, é o Brahma indivisível. Eu me curvo diante de você!


segunda-feira, 22 de outubro de 2007

ESTA SEMANA

MEMÓRIAS DE RISHIKESH – O ENCONTRO COM A MULHER SANTA 2.
Aguardem.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

O DISCÍPULO e o SWAMI




Passei minha infância numa casa com quintal. Virava e mexia, tínhamos um bicho novo, às vezes dentro de casa. Naquela sexta-feira meu pai trouxera, sob a pasta na qual guardava os importantes processos fazendários que ele julgava, uma caixa de sapatos. Amarrada com barbante grosso, a caixa emitia piados muito agudos através de inúmeros furos, o que redundou em alegre gritaria, minha e de meus irmãos, na seguinte conclusão, óbvia para quem é criado em quintais: pintinhos!

- Não. Replicou meu pai em tom sereno. São marrecos-de-pequim.

Pintinhos eram banais. Mas marrecos-de-pequim seriam motivo de orgulho no futebol de rua do dia seguinte. Aberta a caixa, extasiado, procurei naqueles bichinhos amarelos de bico achatado, os traços que na vida adulta os diferenciariam de meros patos. Naquela noite eu teria sonhado com marrecos suntuosos, quase pavões, nos jardins do imperador da China. Claro, se eu soubesse como eram os jardins do imperador da China. E quem precisava deles, já que eu tinha meus próprios jardins?

Os bichos cresceram, mas não cresceram marrecos-de-pequim, e sim três gansos trabalhosos e bravos, que não demorarama a criar família, com quem passamos a dividir nosso quintal. Chocada a primeira ninhada e a cena que me inspirou este pequeno comentário passou a reproduzir-se diariamente, até que, esgotada a paciência, gansos e ninhada, depois de crescida, foram doados por minha mãe ao Parque de São Bento, que mantinha um criatório de aves. Conosco ficou, como recordação, um filhote batizado de Paulinho. A cena: os pequenos seguiam o grande.

Discípulos são muito raros, porque ser discípulo é seguir o grande, até que, por força da própria natureza, nos tornemos grandes. O que mais vejo por aí é gente que se acha grande, fazer-se de pequena, para ver se fica maior ainda. Egooooooooooo! Pato, ganso ou marreco-de-pequim, seguir o grande, é seguir com a prórpria natureza, é fortalecer-se nela e depois seguir consigo mesmo e, eventualmente, ser seguido.

Este é o sentido da palavra "SWAMI". O que segue por si mesmo. E só torna-se capaz de seguir por si mesmo, porque um dia seguiu alguém, por tempo suficiente para amadurecer-se na "atitude de seguir". Isto é ser "DISCÍPULO". Quem segue a muitos, não segue ninguém. Se perde.

Divirto-me imaginando, Paulinho o ganso, deitado num divã ou fazendo algum workshop tentando convencer-se de que verdadeiramente não era um marreco!

Beijos carinhosos, OM Shantih! Com amor, Luiz.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

MEMÓRIAS DE RISHIKESH – O ENCONTRO COM A MULHER SANTA 1


Guru, mestre, iluminação, santidade. Se existe lugar para a gente dar asas à imaginação sobre estas coisas espirituais, este lugar é a Índia. Dez horas de trem entre a caótica estação de Velha Delhi e a pacata Rishikesh, cravada no sopé dos Gigantescos Himalayas, o ar frio atravessando as narinas, aproximavam-me de meu primeiro objetivo naquele solo sagrado: o mosteiro onde o deslumbrante ensinamento de Advaita Vedanta era ensinado numa tradição milenar, uma raridade até mesmo na Índia.

- Swami Dayananda Ashram, por favor! Pedi ao motorista do auto-rikshá, uma espécie de lambreta com cabine para motorista e passageiro.

- 20 rúpias! Replicou o motorista acertando o preço da corrida.

- Obrigado, agradeci enquanto fazia menção de sair daquele táxi de brinquedo.

- Ok, ok, 15 rúpias, recuou o rapazinho sorridente.

- 10, negociei. Fechamos em 12.


O ashram, isto é, o mosteiro de Swami Dayananda, era moderníssimo. Sistema de tratamento de água, televisão de 29 polegadas, fax e computador. Um luxo raríssimo para o ano de 1989. Atravessei o portão gradeado, que permanecia aberto durante todo o dia e dirigi-me a uma pequena sala na qual funcionava a secretaria.

- Bom dia, disse-me uma senhora de sari cor de laranja que regava flores numa pequena jardineira à frente da secretaria. Respondi-lhe com um sorriso, mostrando-lhe um envelope que trazia do Brasil para o diretor do mosteiro. Ela gentilmente me apontou um rapaz com roupas ocidentais.

Expliquei-lhe do que se tratava, entreguei o envelope e despedi-me. Quando já me preparava para sair, o rapaz chamou-me.

- Aonde você vai, meu amigo abençoado?

- Tentarei pegar o trem para Madras ainda hoje.

- Não, você deve ficar conosco aqui por algum tempo. Uma semana. Você acaba de receber uma grande benção. Aquela mulher é uma santa e ela lhe concedeu duas bênçãos muito raras e especiais: seu olhar e sua palavra. Fique aqui conosco. Há algo especial para você descobrir.

Aquelas palavras me pareceram absolutamente verdadeiras. Sem questionar, concordei. Desde os preparativos até minha chegada à Índia, eu me perguntava, sem obter qualquer resposta, afinal, o que é que eu estava fazendo ali? Sentia-me um doido, indo para um lugar distante e estranho, movido por uma força maior que a do meu desejo, sem saber o motivo. Algumas semanas depois eu descobriria todas as respostas das quais precisava.


Continua.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

PAUSA

Desculpem a demora com o próximo post, mas tive que preparar uma palestra para um encontro de alunos de filosofia da PUC-Rio para falar de meu amigo e heterônimo de Fernando Pessoa, o poeta Alberto Caeiro.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

CACHAÇA DE CABEÇA




A que sai do alambique pela parte mais alta, a cachaça de cabeça, dizem os especialistas, é a mais pura, daquelas que não se sente queimar na garganta ao beber, e, no dia seguinte, não dói na prórpia cabeça.

Ultimamente as coisas do espírito têm sido tratadas de maneira um pouco diferentes. Confunde-se a pureza, que é uma espécie de espontaneidade bem elaborada, sinal de maturidade e segurança emocional, com assepsia-espiritual, que é uma espécie de medo incontrolável do erro e da punição.


Cachaça demais faz mal ao fígado, cachaça de menos, faz mal à alma. Não. Não firmei convênio com nenhuma indústria de bebidas. Cachaça, aqui, significa a própria espiritualidade, algo capaz de nos fazer sentir mais à vontade com esta existência, às vezes tão estranha e complicada. Cachaça aqui é sinônimo de meditação, yoga, filosofia, liberdade, palavras que, infelizmente, cada vez mais, têm sido associadas à limpeza-hospitalar, como se precisássemos mesmo viver em constante estado de emergência, numa interminável cirurgia.

Aprendi a fazer da reflexão um exercício diário. Por isso chamei a este curioso espaço virtual "diário". Não que tenha um assunto novo todos os dias para compartilhar, mas que tenha sempre algum assunto, isto sim. Assunto, pelo que dizem, é o que não me falta.

E então, aqui estou, a despir-me em palavras e a fazer-me ver, mais do que despido, não somente pelo bem da humanidade, para o qual pretensiosamente desejo contribuir, mas para o meu próprio bem. Dizia um tal Richard Bach que o que ensinamos é o que mais precisamos aprender. Até a próxima!

- No próximo post contarei meu encontro com Manishanada, a mulher santa da Índia -